Sempre soube que não se deve ouvir conversa dos outros pela extensão do telefone. Mas sejamos sinceros, quem nunca fez isso?
Pois, é. Eu também já fiz...e aliás isso foi outro dia, não faz nem uma semana.
Acontece que nessa casa, quando o danado do telefone começa a berrar só uma pessoa pode atender. Essa pessoa sou eu. Na verdade eu não devia falar em direito, o caso aqui é de dever. Não adianta, a pessoa pode estar do ladinho do aparelho que lá tenho eu que me desembestar da cozinha, e pegar o telefone antes que a pessoa do outro lado desista. E quando não consigo vem logo uma agulhada. O Maria, ta distraída hein moça...
Eu fico pra matar o sujeito que profere estas falas, mas me acanho, sempre. Quer dizer, às vezes eu me saio com umas boas. “São muitos afazeres também num é seu senhor?!” Ele fica sem argumento. Acho que pensa: “o importante é ela estar cozinhando”. Daí eu falo sempre: “ fique tranqüilo que a comida está ficando uma delícia”. Nessa eu e ele ficamos de bem.
Mas teve esse outro dia, dia recente que as coisas se deram de maneira diferente.
Quer dizer, começou igualzinho. O telefone tocando eu tendo que sair zunindo pelo corredor. O pai estava sentado no sofá, do lado da cabeceira com o telefone, mas nem olhava pra ele. Parecia que o cara era surdo. Eu cheguei à tempo.
Era uma mulher, pediu diretamente pra falar com o patrão. Fiz o que ele sempre me manda. “quem está falando por favor?” Senhor é uma moça chamada Joana.
Na hora que ele ouviu o nome deu um salto do sofá e praticamente arrancou o telefone da minha mão.
Foi andando pro fundo da sala e abandando a mão como quem diz “já pode sair já...”
Homem é muito besta, quando quer esconder alguma coisa, deixa na cara que ta querendo mascarar uma besteira. Ao invés do sujeito fingir que está tudo normal e agir com tranquilidade ele diz assim: Com licença que estou lidando com um segredo aqui...obrigado.
Eu admito, não consegui resistir. Nenhuma das crianças ainda tinham chegado da escola e eu me mandei pro quarto da garota, o telefone, que ela também nunca atende, sobre a mesinha de estudo. Fiquei alguns segundos olhando pra ele, e ele retribuía, me chamava, me atraia. Sua luzinha verde piscando vem, vem, vem ... Aí eu fui! Tapei a boca pra não deixar escapar a respiração, ou uma possível surpresa...
- Joana, hoje não vai dar joana. Já te disse que a reunião com os estrangeiros é compromisso agendado. Do nosso negócio a gente trata amanhã...
- Promete que não vai furar ?
- É claro, a gente sai pra almoçar, hein, que tal?!
- naquele restaurante?
- sim, naquele...
Ai eu escutei os passos no corredor. A mínina abriu a porta.
- Maria! ... Já falei que não precisa arrumar minha mesa....eu preciso dessa bagunça aí. Poxa!
- O minha jovem, me desculpa ta...pode deixar que eu re- bagunço direitinho do jeito que você tinha arrumado.
- Também não precisa...vai lá que eu já estou sentindo a comida cheirar.
Olha o que uma fofoca faz....quase queimei o peru. Abri o forno e lá estava o palitinho vermelho praticamente pulando pra fora da carne.
Nesse dia servi o almoço com uma pulga intrás da orelha. Que será que essa dona Joana tem com o patrão. O assunto até que me enganou, mas a doçura das voz... hum não sei, não...
Pena que num deu pra ouvir o fim da conversa... Tenho que pedir pra dona moça instalar uma extensão no meu quartinho... Vou dizer a ela: “Fica mais ligeiro pra eu atender, senhora”
Kefir de leite, minha colônia do bem
Há 6 anos